sexta-feira, 12 de março de 2010

Haitianos, continuam em desespero

Haiti e as falsas promessas da reconstrução
Rede Brasil

Fonte: Adital

A socioeconomista Sandra Quintela explicita o que há por trás da iniciativa de governos e instituições financeiras de investirem no Haiti: garantir o atendimento dos interesses das transnacionais, dos bancos e, principalmente, o controle do território em uma área estratégica para as grandes potências
Depois de 45 dias que o terremoto no Haiti matou mais de 150 mil pessoas e desalojou mais de um milhão de homens, mulheres e crianças, o presidente Lula chegou ao país mais pobre do Ocidente (posição que o Haiti ocupava mesmo antes dessa catástrofe).

Em sua terceira visita ao país, Lula levou na bagagem o anúncio de R$ 375 milhões em doações, projetos para a construção de uma hidrelétrica, de frentes de trabalho e de fundação de escolas técnicas haitianas inspiradas no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Ao mesmo tempo em que o G7, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Clube de Paris, além de alguns governos, anunciam o desejo de cancelar a dívida externa haitiana, o presidente Lula reforçou o pedido de "perdão" da dívida de US$ 1,3 bilhão pelos organismos internacionais e países credores.


Até agora, a única confirmação de cancelamento foi feita pelo governo da Venezuela, de um montante de US$ 395 milhões. O Clube de Paris, grupo informal de Estados credores que inclui todos os membros do G7, é credor de uma dívida de US$ 214 milhões. Do total da dívida externa do Haiti, a maior parte foi contraída com o BID (US$ 441 milhões) e um grande montante com o Banco Mundial. Encontrar esses dados e confirmá-los não é tarefa fácil. Nas páginas do FMI, Banco Mundial e BID, as informações não batem. Por outro lado, encontram-se ali dados que nos chamam a atenção. Como, por exemplo, esse: "Os pagamentos de juros da dívida por parte do Haiti ao BID de 2009 a fins de 2011 estão cobertos por recursos de um fundo respaldado pelos Estados Unidos. Portanto, a dívida do Haiti ao BID não está causando nenhuma saída de fundos do país"(1).

Em maio de 2008, o Congresso dos Estados Unidos da América (EUA) aprovou a PL 110-24 /"Farm Bill", que incluía o projeto de lei HOPE prorrogado - o HOPE II. O HOPE (Haitian Hemispheric Opportunity ou Oportunidade Hemisférica Haitiana) é um projeto que visa basicamente criar Zonas Francas para a produção de têxteis, ampliado para a inclusão de bagagem, chapéus e roupas de dormir. Em 17 de setembro de 2009, o Brasil ratificou com os Estados Unidos um plano para o estabelecimento de plantas industriais no Haiti, no bojo do HOPE. Essa iniciativa permite a exportação livre de impostos para os dois países de bens produzidos no Haiti.

Será que por esta, dentre outras razões, os juros ao BID são pagos pelos EUA? Esse benefício também explicaria a "generosidade" do presidente Lula em concretizar os projetos de construção civil, considerando ainda que em sua última visita ao país, em maio de 2008, levou em sua comitiva representantes da Odebrecht, da Andrade Gutierrez e da Camargo Corrêa?

Com o terremoto e um país ainda mais destruído abrem-se, do ponto de vista do capital, grandes oportunidades de negócios. Edifícios, casas, ruas, sistemas elétricos, tudo precisa ser reconstruído. Existe uma verdadeira corrida com a intenção de lucrar ao máximo com a miséria alheia. O que é, diga-se de passagem, da natureza do capitalismo. O chamado "cancelamento da dívida haitiana" é promessa antiga. Em junho de 2009, quase metade dela foi cancelada pelo Banco Mundial e pelo FMI. Uma das condicionalidades impostas por este "cancelamento" foi a privatização do sistema de telefonia que, todavia, é publico naquele país. Essa promessa se renova com a tragédia humana que vive o Haiti. O FMI promete um novo empréstimo de US$ 100 milhões. O mesmo FMI que nas ditaduras sangrentas dos Duvalier não cessou de enviar empréstimos externos, quando a comunidade internacional denunciava os crimes dessas e outras ditaduras em nosso continente. Todas financiadas com empréstimos externos.

O Banco Mundial tem atualmente 14 projetos ativos no Haiti, dentre eles - parece ironia - gestão de riscos de desastres. A eficácia de seus projetos é questionada desde os anos de 1980 por várias organizações locais e internacionais. O que foi feito com os empréstimos concedidos ao Haiti? Que controle exerce a sociedade organizada haitiana sobre sua formulação ou pertinência? É difícil levar a sério o suposto protagonismo que o BID (principalmente) e o Banco Mundial querem assumir no Haiti. Que legitimidade tem estes organismos? O que fizeram para combater a miséria ou melhorar as péssimas condições da infra-estrutura urbana e rural do país? Há décadas o Banco Mundial e o BID "investem" no Haiti.

O Haiti foi a primeira nação do mundo a abolir a escravidão. Por isso, ainda no início do século XIX, o Haiti foi obrigado, depois de um bloqueio econômico de dez anos imposto pela França, a assumir e pagar uma dívida externa de 150 milhões de francos-ouro (equivalentes a cerca de US$ 22 bilhões em valores atuais) em compensação à França pela "perda dos escravos" que se rebelaram e se libertaram da escravidão em 1804.

"Em 1994, o retorno do presidente eleito Jean Bertrand Aristide, que havia sido deposto em 1991 em um golpe de Estado, foi vinculado a uma articulação na qual Aristide deveria se submeter fielmente às políticas recomendadas pelo FMI listadas no denominado Consenso de Washington. O Haiti abriu suas fronteiras para produtos subsidiados pelos países do Norte, se convertendo em importador de alimentos em um processo de destruição da economia local, a fim de gerar grande contingente de desempregados e, assim, mão de obra barata e sem direitos trabalhistas, beneficiando as multinacionais"(2).

Enfim, muitas águas vão rolar sob o rio da reconstrução do Haiti. Os marines, soldados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) -comandada pelo Brasil- estão lá com mais de trinta mil soldados. Eles não estão lá para garantir a reconstrução do Haiti focada nos interesses da população haitiana. A função deles é garantir o atendimento dos interesses das transnacionais, dos bancos e, principalmente, garantir o controle do território em uma área estratégica para as grandes potências. Apesar disso, e ignorando as inúmeras denúncias de violência e arbitrariedades e os apelos de movimentos sociais organizados haitianos para a retirada das tropas, ao discursar para os militares que estão atuando na missão de paz da ONU, o presidente Lula declarou que esta missão é motivo de orgulho para as Forças Armadas brasileiras.

O povo haitiano, novamente, mesmo após o que se considera uma das maiores catástrofes da história recente, é objeto da ânsia inescrupulosa pelo lucro e da cegueira que assola governantes que não querem admitir o óbvio ululante.

Notas:

1. http://www.iadb.org/Haiti/index.cfm?id=6470&lang=es
2. Nota de solidariedade, Auditoria Cidadã da Divida, de 17/01/20

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