
Os brasileiros estão diante de um debate importantíssimo desde que chegou ao STF uma proposta de mudança constituicional em torno dos princípios saúde pública brasileira.
O artigo 196 da Constituição diz o seguinte: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Como sabe toda pessoa que já esteve num hospital público, mesmo naqueles que a imprensa adora definir auto-enganosamente como um Albert Einstein “sem hotelaria” apenas porque seus profissionais jamais irão frequentá-los na condição de paciente, a saúde brasileira está longe de ser “universal” e muitos menos igualitária.”
Muitos progressos foram feitos, porém. Alguns, graças ao artigo 196 da Constituição.
Num país onde se trata com naturalidade o fato de que ministros de Estado possuem planos privados de saúde e assim tem melhores condições do que o cidadão comum para lutar pela vida, como faz a ministra Dilma Rousseff em seu esforço para vencer o linfoma, remédios de nova geração, necessariamente caros, alguns caríssimos, não são obtidos com facilidade pela maioria dos brasileiros que encara a morte na rede pública — ou em planos privados de saúde que perdem a validade depois do primeiro resfriado.
Para obtê-los, muitos pacientes batem às portas da Justiça que, diante da constatação de que desde o 13 de maio de 1888 não se pode falar em duas classes de cidadãos no Brasil, usa o artigo 196 da Constituição para assegurar que, ao menos no plano de quem bate às suas portas, a igualdade será respeitada.
O número de processos na Justiça é imenso.
Tornou-se uma rotina de hospitais públicos. Quando um paciente precisa de um medicamento que não é fornecido pelo SUS, entra na Justiça. As chances de ganhar são imensas — o artigo 196 é de uma clareza à prova de chicanas.
Nessa situação, o racional seria tomar medidas para evitar esses transtornos e fornecer
medicamentos a quem precisa — sem muita demora.
É possível melhorar a gestão de nosso sistema de saúde. Também é possível cobrar o calote bilionário que o sistema privado aplica sempre que usa a rede pública para tratar pacientes que pagam planos particulares. Também é possível enfrentar a industria farmacêutica num jogo duro onde até a possibilidade de quebra de patente está na mesa — como se fez com a AIDS.
Isso evitaria constrangimentos como o vexame relatado por dois médicos do interior de São Paulo: no mesmo dia em que Dilma fazia seus exames e dava início ao tratamento, duas pacientes de origem humilde receberam o mesmo diagnóstico — mas não puderam tratar-se porque o SUS não fornece os medicamentos necessários.
O que se quer fazer no STF?
Nada disso. O plano é mudar o artigo 196, acabar com o princípio ainda não alcançado de universalidade e igualdade — e adaptar os gastos da saúde, os tratamentos e medicamentos às contingências do orçamento do governo e às preferências de nossos políticos.
É a medicina de segunda classe.
Fonte: Revista Epoca
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